sexta-feira, 15 de março de 2013

[Resenha] Carmilla

Autor: Sheridan Le Fanu 
Editora: Hedra 
Páginas: 149 

Cobicei por muito tempo este livro, apesar de não ser uma das fãs mais assíduas do universo vampiresco. Interesso-me bastante, sobretudo às lendas e registros oficiais; e embora mistério e terror sejam sempre bem-vindos às minhas leituras, os vampiros não se encontram sempre presentes. Imagino que isso tenha influenciado em minha opinião sobre Carmilla, especialmente comparando-se às resenhas que li tão logo após o término.

Numa síntese, Carmilla é a estranha jovem acolhida pelo pai de Laura após um acidente de carruagem, e uma estranha conversa com a mãe da moça.
[...] Ela expressou certa relutância em nos importunar, deixando a filha sob nossos cuidados, dizendo que a jovem tem saúde delicada, que é nervosa, mas que não sofre de qualquer tipo de convulsão, nem alucinações, e que, na realidade, é perfeitamente lúcida.
Carmilla é uma obra pequena, uma leitura rápida - que a princípio foi publicada em folhetim. É difícil escrever uma resenha sem dar spoilers, apesar de que nada sigila desde o princípio a identidade sobrenatural de Carmilla. 

Penso ser exigente. Gosto de tramas que me façam pensar, seja por um conteúdo filosófico ou por deduções que possa fazer além das vistas dos personagens. Carmilla não é esse tipo de livro. Sabe-se desde o começo quem é o que, o que está para acontecer, e qual será a resolução da história. 

A leitura, todavia, é agradável. Estamos a par da narrativa de Laura, uma jovem quem mora apenas com o pai e suas preceptoras em um castelo na Estíria; narrativa que a todo instante sabemos estar sendo redigida muitos anos depois, propiciando ao autor mesclar a ingenuidade da protagonista com os conhecimentos adquiridos, pelos quais ele pôde infiltrar as primícias de seu suspense. 

Apesar de estar datada pelo século XIX, lê-se sem rodeios. Acredito que isso se deva também a tradução, que me instigou a ler a obra no original; porque apesar de ser "limpa", deixou a indecisão do tradutor, sobretudo nos diálogos, em que ora usa segunda pessoa (tu/ vós) e ora terceira (segunda pessoa "você" + verbos em terceira pessoa, enfim, na linguagem que conhecemos atualmente), causando a impressão de que possam ter se perdido muitas características da obra original, como termos-chave, o tom específico do autor e mesmo o tom da época. Mas sou eu, e admirada que sou com clássicos, percebo bastante se essas traduções atuais proporcionam ou não essa migração em nosso imaginário. 

Tudo isso não quer dizer que não há fatos particulares, e nenhuma surpresa. A presença de Carmilla é envolvente não só para suas vítimas, mas para os leitores, como se o autor caprichasse mais durante as ações da jovem. É uma personagem muito bem desenvolvida, em suas ações e seus segredos. O ponto de vista de Laura também é essencial para nos incutir esse fascínio, e aí entra o componente homossexual.

Carmilla foi escrita não somente numa época em que se popularizavam as histórias de vampiros. O século XIX queria reestruturar as morais na sociedade, sobretudo religiosas. Autores homossexuais eram exilados, e casas que lhes propiciavam tais refúgios foram tomadas pela polícia. Mais ainda, a homossexualidade era conhecida até há pouco tempo apenas por sodomia, então era quase uma novidade conceber que duas mulheres pudessem ter esse tipo de afeto, ou um grande estranhamento - embora, como é de se imaginar, não fossem casos raros. Esse tipo de amor é explícito na obra de Le Fanu, e não em qualquer sentido erótico, mas nas palavras da própria Carmilla; e mesmo com o passar do tempo, tive a impressão de que esse afeto não se extinguiu plenamente às circunstâncias. 

Por fim, a edição que tenho pertence à editora Hedra, uma de minhas favoritas. Gosto do total capricho que eles têm com os livros, a começar pelas capas - e eu sou sim o tipo de pessoa que julga pelas capas. É o tipo de livro que me sinto à vontade para ostentar onde quer que o tenha comigo. Gosto também das diagramações, organizadas e limpas - "limpas", com uma fonte legível, um espaçamento que não tumultua as palavras nos parágrafos, nem cansa as vistas. Mas o que mais fez afeiçoar pela Hedra foram as introduções. Além de trazer uma pequena biografia dos autores, insere curiosidade sobre eles, sobre as obras, sua repercussão, e todo tipo de história relacionada, além da lista bibliográfica usada para compô-las. Nesta edição de Carmilla, a editora também adicionou algumas ilustrações da época, então sinto orgulho de tê-la de qualquer forma. 

Marquei no Skoob a leitura como regular, mas ainda assim, recomendo, sobretudo aos fãs de vampiros, para conhecer as bases da obra de Bram Stoker e ter uma maior proximidade com as lendas da época - que não somente passavam de boca em boca, mas tinham registros oficiais, de casos que ainda hoje são especulados, embora haja os que se tenha achado um senso comum. Vale, sim, à pena conhecer Carmilla.

Por Kyran

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