Capa da Companhia de Bolso |
Editora: Círculo do Livro (edição lida)
Páginas: 194
Fiquei algum tempo decidindo se Clarissa
seria realmente a minha próxima escolha pra resenhar. Como esse é um dos meus
livros favoritos, fico sem palavras pra conseguir descrever bem o que se passa
nessa história. Eu poderia vir aqui e dizer que é simplesmente uma crônica sobre
o cotidiano de Clarissa, mas estaria mentindo, de certa forma. Veríssimo se
preocupa, sim, em contar a infância (ou pré-adolescência) da menina Clarissa
através dos fatos de seu dia-a-dia, mas não se esquecendo de espelhar aos olhos
dela as histórias de todas as outras pessoas que a cerca. A protagonista nos é
apresentada inicialmente a partir da perspectiva de Amaro, um músico recluso
que vive na pensão de Dona Zina, pensão esta que serve de cenário para a história
toda. O músico nutre por Clarissa uma paixão secreta, tomando-a como uma musa
para suas inspirações nos momentos de reclusão, quando toca seu piano.
Filha de fazendeiros, a menina foi à Porto Alegre buscando completar os
estudos, com o sonho de se tornar professora, e encontrou lar na pensão da tia
Eufrasina juntamente com outros entes que ali vivem, discutindo política, o
tempo e fofocando sobre a vida dos vizinhos ricos. Nesse ambiente triste,
Clarissa se depara com realidades que sua simplicidade infantil antes
desconhecia, tal como a infidelidade de Ondina a seu marido Batata, a difícil
deficiência do vizinho Tonico e o sofrimento de sua mãe, as lamentações da
viúva Dona Tatá, cuja pobreza contrasta com a abundância material dos vizinhos
da frente. Ainda vivem na pensão outras figurinhas, como o judeu Levinsky e sua
constante crítica à política atual e ao cristianismo e também o já citado
Amaro, o músico solitário e misterioso. A vida literalmente passa diante dos
olhos de Clarissa, que a observa e questiona, filosofando sobre a existência à sua
própria maneira.
Pra mim é maravilhosa a simplicidade com que Érico Veríssimo retrata o
cotidiano da pensão de Dona Zina, traduzida em frases simples que carregam um
tradicionalismo despreocupado, tal como se observa em algumas passagens:
“Ó
Belmira! Me traz um café bem gostoso. E anda ligeiro, meu bem, porque tenho o
que fazer.”
“Não
há dúvida: a primavera chegou. Os pessegueiros estão floridos, as glicínias se
debruçam sobre o muro, o menino doente já mostra no rosto magro a sombra dum
sorriso.”
Também não me passa batido o leve tom existencialista que Veríssimo
despeja em palavras para passar ao leitor exatamente o que pensam e sentem os
indivíduos que residem na pensão, tal como pode ser observado em alguns trechos
como:
“Nos
olhos do menino havia uma saudade impossível, a saudade de uma terra nunca
vista. Um dia – quem sabe? – um dia um vento bom ou mau passa e leva a gente.
Um dia...”
“Clarissa
entrega-se a novas reflexões... Os homens são maus. Criam os pintos, dão-lhes
de comer – farelo, água, milho. Eles crescem, ficam galinhas, andam pelo
quintal esgravatando a terra com o bico e com as patas, botando ovos, caçando
minhocas; e um belo dia – zás! – lá vem Sia Andreza e agarra os míseros
bichinhos, torce-lhes o pescoço e larga no chão um corpo mole que pinoteia, num
esforço desesperado pra não morrer.”
Clarissa aparecerá também em mais dois romances do escritor, Música ao longe e Um lugar ao sol. Este último ainda reúne personagens também vistas
em Caminhos Cruzados, romance mais
denso publicado logo após Clarissa, que
entrecruza histórias de muitas personagens no mesmo período de tempo em que
essa história acontece. Por fim, Érico Veríssimo é sempre uma leitura que será
recomendada por mim, e não é a toa que hoje ele é um dos meus escritores
favoritos. Entretanto, dessa leva de obras ainda me falta ler Um lugar ao sol, que prometo resenhar
também, assim como os outros citados. Comente!
Por Jeff Pavanin
Por Jeff Pavanin
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