sexta-feira, 8 de março de 2013

[Resenha] Clarissa

Capa da Companhia de Bolso
Autor: Érico Veríssimo
Editora: Círculo do Livro (edição lida)
Páginas: 194

Fiquei algum tempo decidindo se Clarissa seria realmente a minha próxima escolha pra resenhar. Como esse é um dos meus livros favoritos, fico sem palavras pra conseguir descrever bem o que se passa nessa história. Eu poderia vir aqui e dizer que é simplesmente uma crônica sobre o cotidiano de Clarissa, mas estaria mentindo, de certa forma. Veríssimo se preocupa, sim, em contar a infância (ou pré-adolescência) da menina Clarissa através dos fatos de seu dia-a-dia, mas não se esquecendo de espelhar aos olhos dela as histórias de todas as outras pessoas que a cerca. A protagonista nos é apresentada inicialmente a partir da perspectiva de Amaro, um músico recluso que vive na pensão de Dona Zina, pensão esta que serve de cenário para a história toda. O músico nutre por Clarissa uma paixão secreta, tomando-a como uma musa para suas inspirações nos momentos de reclusão, quando toca seu piano.

Filha de fazendeiros, a menina foi à Porto Alegre buscando completar os estudos, com o sonho de se tornar professora, e encontrou lar na pensão da tia Eufrasina juntamente com outros entes que ali vivem, discutindo política, o tempo e fofocando sobre a vida dos vizinhos ricos. Nesse ambiente triste, Clarissa se depara com realidades que sua simplicidade infantil antes desconhecia, tal como a infidelidade de Ondina a seu marido Batata, a difícil deficiência do vizinho Tonico e o sofrimento de sua mãe, as lamentações da viúva Dona Tatá, cuja pobreza contrasta com a abundância material dos vizinhos da frente. Ainda vivem na pensão outras figurinhas, como o judeu Levinsky e sua constante crítica à política atual e ao cristianismo e também o já citado Amaro, o músico solitário e misterioso. A vida literalmente passa diante dos olhos de Clarissa, que a observa e questiona, filosofando sobre a existência à sua própria maneira.

Pra mim é maravilhosa a simplicidade com que Érico Veríssimo retrata o cotidiano da pensão de Dona Zina, traduzida em frases simples que carregam um tradicionalismo despreocupado, tal como se observa em algumas passagens:

“Ó Belmira! Me traz um café bem gostoso. E anda ligeiro, meu bem, porque tenho o que fazer.”

“Não há dúvida: a primavera chegou. Os pessegueiros estão floridos, as glicínias se debruçam sobre o muro, o menino doente já mostra no rosto magro a sombra dum sorriso.”

Também não me passa batido o leve tom existencialista que Veríssimo despeja em palavras para passar ao leitor exatamente o que pensam e sentem os indivíduos que residem na pensão, tal como pode ser observado em alguns trechos como:

“Nos olhos do menino havia uma saudade impossível, a saudade de uma terra nunca vista. Um dia – quem sabe? – um dia um vento bom ou mau passa e leva a gente. Um dia...”

“Clarissa entrega-se a novas reflexões... Os homens são maus. Criam os pintos, dão-lhes de comer – farelo, água, milho. Eles crescem, ficam galinhas, andam pelo quintal esgravatando a terra com o bico e com as patas, botando ovos, caçando minhocas; e um belo dia – zás! – lá vem Sia Andreza e agarra os míseros bichinhos, torce-lhes o pescoço e larga no chão um corpo mole que pinoteia, num esforço desesperado pra não morrer.”

Clarissa aparecerá também em mais dois romances do escritor, Música ao longe e Um lugar ao sol. Este último ainda reúne personagens também vistas em Caminhos Cruzados, romance mais denso publicado logo após Clarissa, que entrecruza histórias de muitas personagens no mesmo período de tempo em que essa história acontece. Por fim, Érico Veríssimo é sempre uma leitura que será recomendada por mim, e não é a toa que hoje ele é um dos meus escritores favoritos. Entretanto, dessa leva de obras ainda me falta ler Um lugar ao sol, que prometo resenhar também, assim como os outros citados. Comente!

Por Jeff Pavanin

Nenhum comentário:

Postar um comentário