sexta-feira, 8 de março de 2013

[Resenha] Os Lobos dentro das Paredes

Autor: Neil Gaiman
Ilustrador: Dave McKean
Editora: Rocco
Páginas: 60

Talvez, as nossas vidas não nos pareçam especiais o suficiente. Talvez, as coisas que fazemos, nossas preferências e manias, possam não significar nada diante de nossos próprios olhos.  Estamos enganados, quando pensamos que não há nada de peculiar em nós mesmos. Porque até mesmo em momentos triviais, como tocar tuba ou encher potes com geleia caseira, há um pouco de surpresa e alguma coisa capaz de despertar encanto. Assim, a vida de qualquer um de nós poderia se tornar tão pitoresca quanto a vida de nossa Lucy, a protagonista de Os Lobos dentro das Paredes.  Nesse livro, Neil Gaiman demonstra seu talento já consagrado por obras como Coraline e Sandman ao lado de seu fiel ilustrador Dave McKean. Os Lobos dentro das Paredes catalisa a força e a magia que estão escondidas em situações cotidianas, em pequenos detalhes que certamente poderiam pertencer a vida de qualquer pessoa.  Envolta nesse espírito de simples encantamento, a história de Lucy nos é contada com a perspicácia de um contador de histórias orais, daqueles que tem o poder de nos deixar com os queixos caídos.

A história começa sustentando-se sobre a exagerada sensibilidade de uma criança que, nesse caso, é capaz de perceber até mesmo que lobos estão dentro das paredes do antigo casarão onde mora. Eles faziam ruídos muito particulares, ruídos que não deixavam dúvida alguma de que eram lobos. Convencida disso e certa de que alguma catástrofe poderia acontecer, Lucy tenta convencer a todos de que os lobos estão lá, à espreita, observando e esperando a hora certa de saírem. Primeiro sua mãe que está perdida entre uma selva de potes de geleia. Depois, seu pai enquanto tocava sua majestosa tuba e, por fim, seu irmão que naturalmente não desgrudava do videogame. Para eles, poderia ser qualquer coisa, menos os lobos, porque todos sabem que se os lobos saírem das paredes, tudo estará acabado, tudo. Apenas o porquinho de pelúcia acredita em Lucy e a cada instante a invasão dos lobos parece estar mais próxima.

Lucy acaba por demonstrar toda a coragem que uma garotinha poderia ter. Enquanto sua família acaba por se entregar aos problemas, ela não vê outra alternativa, senão lutar. Gaiman deixa clara a força de sua personagem, sua capacidade de ultrapassar limites e de agir como se nenhum problema fosse grande o bastante para afugentá-la. Mesmo com a tal sabedoria popular de que tudo estaria acabado, se os lobos saíssem das paredes, mesmo essa sendo uma verdade quase inquestionável, Lucy resolve reverter a situação. Nada, nem mesmo uma grande verdade que todos sabem, seria capaz de diminuir sua coragem.

Há espalhado por toda história um ar de impossível, de onírico. No universo daquela família, que age com naturalidade até mesmo diante da invasão dos lobos, mudar-se para o deserto, para uma cabana, ou para um balão de ar quente são possibilidades mais viáveis do que retomarem sua casa. Tudo parece simples e ao mesmo tempo improvável, quando eles se encontram confinados em seu próprio jardim. Nessa situação, que poderia ser encarada como crítica, a vida deles simplesmente continua. A mãe vai trabalhar, o irmão vai para aula e o pai volta para sua tuba preferida. Até que a noite chega e passar mais uma noite no jardim não lhes parece uma opção confortável. E é esse desconforto que os faz ouvir a insistente Lucy.

Temos então mais uma parte de um ciclo. Os lobos assustaram as pessoas de sua casa e agora, são as pessoas que pretendem expulsar os lobos. Uma inversão de papéis interessante que completa um ciclo e acaba por humanizar os lobos. Quando a família se esgueira pelas paredes da casa, da mesma forma como os lobos faziam, ela percebe que os lobos tornaram-se quase pessoas ou que eles, pelos menos, ansiavam por isso. Um lobo estava tocando tuba, outro estava jogando videogame. Agora, são as pessoas que ameaçam sair das paredes e isso, para os lobos, talvez seja quando tudo estará acabado.

Por fim, ressalto o quanto o trabalho de Dave McKean é perturbadoramente incrível. As ilustrações são compostas, como em outros trabalhos do ilustrador, por várias técnicas. McKean usa fotografias, ilustrações, colagens e faz surgir um universo destoante e desconjuntado. Tudo isso produz um estranhamento inigualável. Tudo parece fora do seu lugar, mas ao mesmo tempo como se pudesse haver uma parte de qualquer coisa naquelas páginas. As ilustrações conseguem evocar a magia de um conto de fadas, mas que é mesclada ao ar de realidade das fotografias. São tão reais e tão impossíveis, como a possibilidade de os lobos saírem de dentro das paredes.

Nessa obra, Gaiman e McKean reafirmam-se como grandes contadores de história que são. Deixe-se levar pelas ilustrações ou pelas palavras escolhidas com exatidão, sobretudo deixe-se envolver pela inocência da história e pela profundidade da simplicidade. E não se esqueça de dar ouvidos à Lucy da próxima vez em que ela ouvir alguma coisa, porque é bem possível que mais alguma se esconda dentro das paredes.

Por Fillipe Gontijo

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