Ilustrador: Dave McKean
Editora: Rocco
Páginas: 60
Talvez, as nossas vidas não nos
pareçam especiais o suficiente. Talvez, as coisas que fazemos, nossas
preferências e manias, possam não significar nada diante de nossos próprios
olhos. Estamos enganados, quando
pensamos que não há nada de peculiar em nós mesmos. Porque até mesmo em
momentos triviais, como tocar tuba ou encher potes com geleia caseira, há um
pouco de surpresa e alguma coisa capaz de despertar encanto. Assim, a vida de
qualquer um de nós poderia se tornar tão pitoresca quanto a vida de nossa Lucy,
a protagonista de Os Lobos dentro das
Paredes. Nesse livro, Neil Gaiman demonstra
seu talento já consagrado por obras como Coraline
e Sandman ao lado de seu fiel
ilustrador Dave McKean. Os Lobos dentro
das Paredes catalisa a força e a magia que estão escondidas em situações
cotidianas, em pequenos detalhes que certamente poderiam pertencer a vida de
qualquer pessoa. Envolta nesse espírito
de simples encantamento, a história de Lucy nos é contada com a perspicácia de
um contador de histórias orais, daqueles que tem o poder de nos deixar com os
queixos caídos.
A história começa sustentando-se
sobre a exagerada sensibilidade de uma criança que, nesse caso, é capaz de
perceber até mesmo que lobos estão dentro das paredes do antigo casarão onde
mora. Eles faziam ruídos muito particulares, ruídos que não deixavam dúvida
alguma de que eram lobos. Convencida disso e certa de que alguma catástrofe
poderia acontecer, Lucy tenta convencer a todos de que os lobos estão lá, à
espreita, observando e esperando a hora certa de saírem. Primeiro sua mãe que
está perdida entre uma selva de potes de geleia. Depois, seu pai enquanto
tocava sua majestosa tuba e, por fim, seu irmão que naturalmente não desgrudava
do videogame. Para eles, poderia ser qualquer coisa, menos os lobos, porque
todos sabem que se os lobos saírem das paredes, tudo estará acabado, tudo.
Apenas o porquinho de pelúcia acredita em Lucy e a cada instante a invasão dos
lobos parece estar mais próxima.
Lucy acaba por demonstrar toda a
coragem que uma garotinha poderia ter. Enquanto sua família acaba por se
entregar aos problemas, ela não vê outra alternativa, senão lutar. Gaiman deixa
clara a força de sua personagem, sua capacidade de ultrapassar limites e de
agir como se nenhum problema fosse grande o bastante para afugentá-la. Mesmo
com a tal sabedoria popular de que tudo estaria acabado, se os lobos saíssem
das paredes, mesmo essa sendo uma verdade quase inquestionável, Lucy resolve
reverter a situação. Nada, nem mesmo uma grande verdade que todos sabem, seria
capaz de diminuir sua coragem.
Há espalhado por toda história um
ar de impossível, de onírico. No universo daquela família, que age com
naturalidade até mesmo diante da invasão dos lobos, mudar-se para o deserto,
para uma cabana, ou para um balão de ar quente são possibilidades mais viáveis
do que retomarem sua casa. Tudo parece simples e ao mesmo tempo improvável,
quando eles se encontram confinados em seu próprio jardim. Nessa situação, que
poderia ser encarada como crítica, a vida deles simplesmente continua. A mãe
vai trabalhar, o irmão vai para aula e o pai volta para sua tuba preferida. Até
que a noite chega e passar mais uma noite no jardim não lhes parece uma opção confortável.
E é esse desconforto que os faz ouvir a insistente Lucy.
Temos então mais uma parte de um
ciclo. Os lobos assustaram as pessoas de sua casa e agora, são as pessoas que
pretendem expulsar os lobos. Uma inversão de papéis interessante que completa
um ciclo e acaba por humanizar os lobos. Quando a família se esgueira pelas
paredes da casa, da mesma forma como os lobos faziam, ela percebe que os lobos
tornaram-se quase pessoas ou que eles, pelos menos, ansiavam por isso. Um lobo
estava tocando tuba, outro estava jogando videogame. Agora, são as pessoas que
ameaçam sair das paredes e isso, para os lobos, talvez seja quando tudo estará
acabado.
Por fim, ressalto o quanto o
trabalho de Dave McKean é perturbadoramente incrível. As ilustrações são
compostas, como em outros trabalhos do ilustrador, por várias técnicas. McKean usa
fotografias, ilustrações, colagens e faz surgir um universo destoante e
desconjuntado. Tudo isso produz um estranhamento inigualável. Tudo parece fora
do seu lugar, mas ao mesmo tempo como se pudesse haver uma parte de qualquer
coisa naquelas páginas. As ilustrações conseguem evocar a magia de um conto de
fadas, mas que é mesclada ao ar de realidade das fotografias. São tão reais e
tão impossíveis, como a possibilidade de os lobos saírem de dentro das paredes.
Nessa obra, Gaiman e McKean reafirmam-se como grandes contadores de história que são. Deixe-se levar pelas ilustrações ou pelas palavras escolhidas com exatidão, sobretudo deixe-se envolver pela inocência da história e pela profundidade da simplicidade. E não se esqueça de dar ouvidos à Lucy da próxima vez em que ela ouvir alguma coisa, porque é bem possível que mais alguma se esconda dentro das paredes.
Por Fillipe Gontijo
Nessa obra, Gaiman e McKean reafirmam-se como grandes contadores de história que são. Deixe-se levar pelas ilustrações ou pelas palavras escolhidas com exatidão, sobretudo deixe-se envolver pela inocência da história e pela profundidade da simplicidade. E não se esqueça de dar ouvidos à Lucy da próxima vez em que ela ouvir alguma coisa, porque é bem possível que mais alguma se esconda dentro das paredes.
Por Fillipe Gontijo
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