Mr. Punch |
Ilustrador: Dave McKean
Editora: Conrad
Páginas: 104
Mister Punch foi apresentado a
mim pela graphic novel de Neil Gaiman e Dave McKean, chamada A comédia
trágica ou a tragédia cômica de Mr. Punch, publicada no Brasil em 2010,
pela editora Conrad. Na verdade, nem mesmo fomos apresentados, logo nas
primeiras páginas já fui espectador do primeiro crime do espertalhão Mister
Punch. A estranheza e a bizarrice quase nos faz fechar o livro e considerá-lo
inapropriado para nossa idade, mas é impossível não confiar em Neil Gaiman. Ao
longo da história, contada pela voz de um garoto-homem, o pequeno espetáculo de
fantoches funciona como uma linha que costura as recordações que borbulham
desordenadamente. Lembranças que ganham novos significados a partir do presente
de nosso personagem e que estão sujeitas aos sentimentos e vontades da criança
que ele era e do homem que se tornou.
As cenas protagonizadas por
Mister Punch trespassam a infância do garoto e são apresentadas como elos para
as reflexões que indiretamente conectam as peripécias dos fantoches à vida do
garoto. Aos poucos e à medida que o protagonista percorre suas próprias
lembranças, percebemos o quanto a perda persiste em preencher a vida dos
homens. A efemeridade é o sentimento que nos acompanha durante a leitura e o
único elemento que escapa a ela é o Mister Punch. Isso nos leva a pensar sobre
o incontrolável poder de criação do homem, que mesmo sendo assolado pela
finitude de sua vida, é capaz de criar algo que sobrevive a morte de seu
criador e se torna maior do que ele. Os "professores", aqueles que
manipulam os fantoches do show do Mister Punch, parecem ceder um pouco de suas
próprias vidas para que o personagem continue vivendo. É interessante questionar
se os "professores" fazem isso de boa vontade, porque depois de
conhecer as artimanhas do Mister Punch, é possível imaginar que ele está por
traz disso tudo, como se ele obrigasse aos "professores" a lhe
emprestar alguma vida.
Nas primeiras páginas e como
cúmplice do quase abandono da graphic novel, está a estranheza da arte de Dave
McKean. É impossível resistir ao mundo desconjuntado e desconexo da graphic
novel. Suas imagens parecem tentar emular uma mistura de lembranças de épocas e
pessoas diferentes ou mesmo representar as várias vidas cedidas, pelos inúmeros
"professores", ao Mister Punch. Todos os quadros, cada um dos
elementos deles, parecem ter vindo de um universo diferente. Há um contraste
permanente entre fotografias e desenhos. Contudo, ao mergulharmos um pouco mais
e ultrapassarmos a estranheza superficial, enxergamos a maestria de um grande
artista. McKean consegue harmonizar elementos gráficos de categorias bastante
diferentes em uma narrativa visual estonteante e complexa. Tudo parece vivo e
pulsante, como se estivéssemos assistindo às recordações do protagonista
saltando de sua memória. Ao ler a última página, percebe-se que Mister Punch
não existiria de outra forma, senão pelas palavras de Gaiman e pelas imagens de
McKean.
Por Fillipe Gontijo
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