sábado, 6 de abril de 2013

Resenha: As Crônicas de Spiderwick


Autores: Holly Black e Tony DiTerlizzi
Editora: Rocco

Volume 1: O Guia de Campo - 114 páginas
Volume 2: A Pedra da Visão - 111 páginas
Volume 3: O Segredo de Lucinda - 114 páginas
Volume 4: A Árvore de Ferro - 125 páginas
Volume 5: A Ira de Mulgarath - 139 páginas

Alguns amores são difíceis de se consumarem. Passam-se anos de flertes intermináveis e pensamentos incontroláveis sobre o outro. Há momentos de desespero em que nenhuma limitação pragmática é capaz de impedir que o desejo de ter, de possuir, de viver o tal amor se consume. Assim, feito um aparente impossível amor à primeira vista, é que me apaixonei pelas Crônicas de Spiderwick. Não foi um sentimento fácil de conter, mas que esteve impedido de se consumar pelas limitações, sobretudo financeiras da realidade. Então, abraçando a única alternativa que me restava, resolvi amar, mesmo que fosse aos poucos. Os cinco livros que compõem As Crônicas de Spiderwick são pequenas joias e quase possuem o preço de diamantes. Desprovido de dinheiro suficiente para comprá-los, caí em oração para que algum dia a grande força sobrenatural que dita as regras das promoções olhasse por mim e diminuísse os preços. Por sorte ou por milagre, encontrei os dois primeiros volumes em uma promoção numa livraria dona de preços insólitos. Mesmo sem perspectiva de comprar os outros volumes, comprei os dois primeiros. Eram absurdamente lindos. Eu tinha até medo de abri-los. Todos os livros da série são cheios de detalhes, cuidadosamente ilustrados, como obras primas de um grande artista. Cheguei até a cogitar a possibilidade de aqueles livros terem sido feitos artesanalmente e eram tão incríveis que não me surpreenderia se isso fosse verdade. Somente algum tempo depois de eu ter lido os dois primeiros é que uma bendita promoção trouxe os três volumes restantes até mim. Finalmente, eu tinha os cinco volumes.

No início do primeiro livro, deparo-me com a proposta de Holly Black e Tony DiTerlizzi de que o universo do livro realmente seja verdade. Eles vendem a ideia de que uma ponta de suas histórias se conecte à realidade por meio de uma carta que eles teriam recebido depois de um dia de autógrafos. A carta, enviada pelos supostos irmãos Grace, representa, de alguma forma, um capítulo da história que segue. Um capítulo que, se pensarmos bem, encaixa-se em um momento posterior à história contada nos cinco volumes. Intrigante? Certamente, sim e uma exímia armadilha para capturar aqueles que ainda não estavam completamente convencidos de que aquela história seria incrível.

As Crônicas de Spiderwick são sobre as aventuras de um trio de irmãos. Os gêmeos, Jared e Simon, e a irmã mais velha, Mallory. Como o próprio Jared nos conta, seus irmãos têm interesses bastante definidos. Simon é um amante de animais que gosta de todos os tipos deles e não liga se são perigosos, asquerosos ou medonhos. Já Mallory é uma esgrimista. Ela sempre participou do time da escola e é, no mínimo, talentosa. E Jared?! Jared talvez fosse apenas um encrenqueiro. Um encrenqueiro que tem uma oportunidade de recomeçar a vida em outra cidade. A história dos irmãos Grace começa exatamente quando eles chegam a essa nova cidade e a sua nova e frustrante casa. Claro, eles vieram de Nova Iorque, mudaram-se para o interior e seus pais se divorciaram. O que poderia ser pior? Apesar de todas as predições de que aquele recomeço seria sofrível, havia muitas coisas, provavelmente, interessantes em meio a tantas calamidades. A maior e mais importante se refere ao casarão para que se mudaram. Os Graces se tornaram os novos moradores da antiga propriedade de Artur Spiderwick. Um casarão antigo que está no centro de uma miríade de acontecimentos misterioso e mágicos.

Volume 1
No primeiro volume das crônicas, O Guia de Campo, os acontecimentos fantásticos que perduram por toda a série são desencadeados quando os irmãos Grace encontram um livro, o Guia de Campo de Artur Spiderwick para o mundo fantástico ao nosso redor. Esse manual seria uma espécie de guia de sobrevivência entre seres mágicos. Ele reúne informações valiosas advindas de vários anos de pesquisa, observação e das experiências que Artur teve com seres mágicos. As informações contidas no guia são das mais variadas. Elas vão desde formas de identificar seres sobrenaturais a maneiras de espantá-los e de se proteger de suas influências. É nesse sentido que se insere uma premissa bastante interessante das Crônicas de Spiderwick: conhecimento é poder. Os seres mágicos escondem-se por trás da descrença dos homens. Ninguém acredita que eles existem e isso é o que os mantêm a salvo. Assim, um livro que contenha informações detalhadas, esquemas, figuras e, sobretudo, provas de que eles existam seria uma arma capaz de minar essa proteção. Além disso, o Guia de Campo, por consistir de um compêndio que traz informações das diversas espécies de seres mágicos, poderia ser usado como fonte de informação para que uma espécie possa sobrepujar a outra. O guia seria então uma fonte de desequilíbrio para a ordem natural das coisas. Motivados por essas duas perspectivas, uma horda de seres mágicos busca tomar o guia dos irmãos Grace. E a incansável luta pelo guia de campo começa nesse primeiro volume e aos poucos vai se tornando maior e mais perigosa.

Volume 2
O segundo volume, A Pedra da Visão, traz um grande avanço para a trama. É nele que vemos, pela primeira vez, vários elementos do enredo interagindo com mais desenvoltura, como os irmãos Grace e os seres fantásticos, e uma amostra da forma como magia e realidade vão se enlaçar para sustentar o enredo de toda a série. Nesse volume, já de posse do Guia de Campo, Jared começa a compreender melhor o mundo fantástico que Artur procurou descrever em seu livro. Ele acaba completamente fascinado por aquele novo universo, como se até então tivesse vivido pela metade. Por causa da descoberta do guia, os irmãos Grace conhecem Tibério, um gnomo e uma espécie de guardião do guia, que lhes assegura o quão perigosa pode se tornar a vida de alguém que tenha aquele livro sob seu poder. Embora o aviso tenha sido convincente, não há como, depois de conhecer tudo aquilo, fingir que aquele mundo fantástico não existe. Seria realmente impossível porque, depois de eles terem encontrado o guia, tudo que é fantástico parece estar vindo ao encontro deles. Simon acaba por ser sequestrado por um bando de goblins invisíveis e uma aventura para resgatar o irmão começa. Para que essa aventura tenha alguma possibilidade de ser bem sucedida, Jared começa a usar as informações do guia combinadas aos conselhos de Tibério. É no A Pedra da Visão que os irmãos Grace começam a experimentar verdadeiramente o mundo dos seres fantásticos.

Volume 3
Em O Segredo de Lucinda, o terceiro volume, nos é revelado um pouco dos mistérios que envolvem o desaparecimento de Artur Spiderwick, o criador do guia de campo. Os irmãos Grace vão visitar sua tia Lucinda que vive em um hospício. Lucinda é filha de Artur e é tida como louca por causa dos relatos de suas experiências com seres fantásticos. Então, os sobrinhos descobrem a situação delicada e triste em que sua tia vive. Descobrem que o véu que separa sanidade e loucura pode ser bastante sutil, ainda mais quando há a influência de seres mágicos. Eles tomam conhecimento de que a história de Artur é mais triste do que imaginavam e comovidos por essa tristeza, os irmãos resolvem reconstituir o que talvez tenha sido os últimos momentos da vida de seu tio. Eles traçam um plano rudimentar e vão em busca de respostas. Eles acabam encontrando muito mais do que isso e conhecem mais uma parte do mundo fantástico, que se revela cada vez mais melindroso. Nesse volume, esperteza e conhecimento configuram-se como as principais ferramentas capazes de garantir a sobrevivência dos irmãos.

Volume 4
No quarto volume, A Árvore de Ferro, DiTerlizzi e Black repetem a fórmula do A Pedra da Visão. Mais um resgate se faz necessário e os irmãos precisam lidar com uma sorte diferente de seres fantásticos. Eles exploram uma nova região nas proximidades do casarão Spiderwick e lá encontram um tipo bastante peculiar de seres fantásticos, os famigerados anões. É esse pequeno e bastante popular tipo de personagem de fantasia que rende um dos mais deliciosos elementos da ambientação de Spiderwick. Ao inserir os anões entre a gama de seres mágicos de Spiderwick, os autores tiveram o cuidado de dar-lhes uma nova roupagem e fizeram um trabalho muito bom. A típica compulsão dos anões por metais e minérios continua lá, além de sua habilidade inata para a ferraria e fabricação de bugigangas, mas em Spiderwick essas habilidades são bastante aprimoradas e a proficiência dos anões chega a assustar. Assim, os túneis e salões subterrâneos em que os anões vivem estão repletos de engenhocas de metal eximiamente confeccionadas por eles, um exemplo impressionante, são as criaturas metálicas movidas à corda que parecem animais vivos.
               
Volume 5
Em A Ira de Mulgarath, o último volume das crônicas, há o confronto final entre os irmãos Grace e o maquiavélico troll Mulgarath. Mais uma vez o estopim para o desenrolar da ação é um rapto e o resgate acaba por ser a retriz de toda a aventura. Nesse volume, há três aspectos sobre a história que precisam ser ressaltados. O primeiro deles é a destreza dos irmãos em relação ao mundo fantástico e o uso bastante amplo que eles fazem do conhecimento adquirido ao longo dos outros volumes. O segundo aspecto se refere à proximidade entre a modernidade da vida dos humanos e o mundo mágico em que vivem os seres fantásticos. Vemos nesse volume uma discrepância entre os elfos que foram incapazes de se ajustarem à modernidade e ainda se mantêm quase completamente isolados em suas florestas e os goblins que acabaram por abraçar uma forma de sobrevivência que se vincula ao modo de vida dos humanos. Embora os goblins tenham conseguido, por vontade própria ou não, se adaptar, eles vivem em uma situação decadente, como marginais, enquanto os elfos mantêm um ar altivo, como se fossem superiores e alheios aos moldes da vida humana. A decadência teria sido o castigo dos goblins por terem se aproximado do mundo humano? O livro não se aprofunda nesse questionamento. Ele surge apenas como pano de fundo e se faz notar pela discordância que há entre os lugares onde vivem elfos e goblins. O terceiro aspecto surge, sobretudo, do final desse volume. Nele percebe-se um sentimento em que se mistura angustia, amargura e arrependimento. Afinal de contas, há coisas passadas que não se pode mudar e mesmo reconhecendo a impossibilidade de recuperar o tempo que lhe foi roubado, há um desejo incontrolável de alcançar alguma paz. Frente a isso, uma perspectiva mais amena é apresentada para esses entraves e uma espécie de conforto acaba por alcançar o leitor e apaziguar os rastros que a amargura possa ter deixado.

Eu acredito que é nesse ponto, em algum momento após os acontecimentos do último volume, que os irmãos Grace tenham supostamente entrado em contato com DiTerlizzi e Black. Assim, a premissa inicial do livro se encaixa perfeitamente como um elo que te leva outra vez para o início da história. Um ciclo construído habilmente pelos autores. Além de toda a gama de ideias que ampara a história, é preciso chamar atenção para a simplicidade da escrita que foi pensada em perfeita harmonia com lindas ilustrações. Os trechos pouco descritivos são preenchidos pelas ilustrações que, por sua vez, apenas apresentam elementos que são destrinchados pelo texto. Nesse sentido o livro acerta em cheio. Texto e ilustração se completam em um equilíbrio impressionante, duas formas distintas de contar histórias em confluência, feito um mosaico impressionante de desenhos e palavras que são essenciais para a experiência de leitura.

As Crônicas de Spiderwick têm um charme especial que se percebe desde sua primeira página. O modo peculiar como figuras comuns de histórias de fantasia são tratadas evidencia o cuidado que os autores tiveram. Cuidado que se reforça na forma natural como toda a história se desenrola. É impossível não desejar ser parte daquele mundo fantástico. A força de Spiderwick é capaz de falar diretamente à criança que um dia fomos, de resgatar nossas fantasias e trazê-las para o nosso redor.

Por Fillipe Gontijo

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