segunda-feira, 4 de março de 2013

[Resenha] Wolf Hall


Autor: Hilary Mantel
Editora: Record (edição nacional)
Páginas da edição em inglês: 650
Páginas  da edição nacional: 590

Se você frequenta as listas dos mais vendidos ou acompanha algum site de livros de fora (GoodreadsAmazon, etc) então provavelmente já cruzou com esses dois livros por aí: Wolf Hall, que foi lançado em 2009, e teve uma repercussão enorme lá fora e Bring Up the Bodies – foi apenas com o lançamento do segundo volume que todo esse burburinho chegou aos meus olhos. O livro tem sido tão falado ultimamente, que acabou despertando a minha curiosidade ao ver, incessantemente, a cara da Ana Bolena estampada na lista dos mais vendidos.

Uma curiosidade sobre esses livros é que ambos ganharam o Man Booker Prize for Fiction. Pra quem não sabe, o Man Booker Prize é um prêmio literário inglês, considerado um dos mais importantes e respeitados da atualidade. Pois então, quando Wolf Hall foi lançado em 2009, foi considerado uma das opções favoritas ao prêmio e acabou ganhando. Foi aí que ele caiu mesmo na boca do povo (aproveitando do bom e velho poder do adesivinho redondo adicionado à capa enunciando as honrarias que o livro recebeu).

E, depois de três anos de silêncio, quando a Hilary Mantel lançou o segundo volume - o Bring Up the Bodies - , que acabou ganhando o prêmio mais uma vez, renovando toda a fama e aumentando ainda mais a expectativa tida em cima dessa sequela, que o livro começou a repercutir mundialmente, estourando (e mantendo-se) na lista dos best-sellers do mundo.

Vou confessar que eu pedi o livro mais por curiosidade do que interesse. E quando ele finalmente chegou, eu comecei a ler com o pé atrás (pelo simples fato de que eu sempre acabo me decepcionando com livros muito falados e exaltados pela mídia. Não que eu seja do contra, e sim porque minha expectativa sempre fica muito alta e o livro nem chega perto do que eu imaginava que fosse). Mas, pra minha surpresa, eu não apenas adorei o livro: eu me apaixonei por ele, pela história e pela escritora. Esse foi sem dúvidas, não somente o melhor livro que eu li até agora em 2013, mas um dos melhores livros que eu já tive a chance de ler.

É uma coisa antiga a fascinação que as pessoas têm por estórias sobre os Tudors (talvez pelo apelo de novela que permeia a corte do Rei Henrique VIII, mas também pelas atitudes que ele toma no seu reinado que acabaram modificando totalmente a Inglaterra). E agora você se pergunta: nesse mar de adaptações literárias, cinematográficas, qual é o diferencial de Wolf Hall? Vou responder em três partes:


Veracidade histórica.
Ao contrário do que aconteceu com todas as adaptações que eu, pessoalmente, já vi (incluídas aqui: The Tudors e, principalmente, os romances da Philippa Gregory que deram origem ao filme A Outra ou The Other Boleyn Girl) o que a gente encontra em Wolf Hall é um grande respeito aos fatos históricos, sem nenhuma necessidade de dramatizar, romantizar, etc.

A autora realizou uma pesquisa extensa (cinco anos) antes de começar a escrever os livros – que ela descreveu como a parte mais difícil do projeto. Uma das partes mais interessantes que eu achei nesse processo foi o sistema que a Hilary Mantel organizou para saber onde tal personagem ou figura histórica se encontrava nas datas mais relevantes dos acontecimentos do livro. Nas suas próprias palavras: “Você precisa saber: onde estava o Duque de Suffolk naquele momento? Você não pode ter ele em uma cena em Londres se, na verdade, ele estava em outro lugar”. Esse é, em minha opinião, um dos maiores apelos que esse livro possuí: melhor do que ler um bom romance histórico é ter certeza na sua veracidade! E não é só a trama do livro que recebe esse tratamento, mas também a caracterização das personagens: você não vai encontrar aqui uma Ana Bolena pobre coitada e muito menos uma Maria Bolena inocente e boa moça como em alguns filmes – aqui elas são caracterizadas pelo que elas realmente foram: seu caráter sendo um reflexo das medidas e atitudes que tomaram nessa tapeçaria da história da Inglaterra.

Thomas Cromwell
A história aqui é apresentada pelo ponto de vista de Thomas Cromwell, a personagem principal. Até então Thomas Cromwell sempre foi representado como um antagonista na história. Hilary Mantel nos apresenta uma abordagem completamente diferente, fundamentada em anos de pesquisa que chegou até a chamar a atenção de historiadores à importância de Thomas Cromwell. Pra quem não sabe: Thomas, que era filho de ferreiro, muito pobre e chegou a fugir de casa para não acabar morrendo nas mãos do pai abusivo e alcoólatra vem a se tornar a mão direita do rei. Essa transição de Zé Ninguém a segunda pessoa mais importante na Inglaterra é a faceta mais interessante no livro, enquanto todos os acontecimentos históricos acontecem ao seu redor. A humanização de Thomas feita por Hilary o torna um personagem incrível e seguir os acontecimentos pelos seus olhos observadores e críticos nos dá a impressão de estarmos nós mesmos vivenciando tudo.

Prosa
A prosa da Hilary Mantel é maravilhosa e diferente de tudo que eu já li. Vou incluir algumas passagens do livro (original em inglês) que me chamaram a atenção:
“He will remember his first sight of the open sea: a gray wrinkled vastness, like the residue of a dream.”
“There are some strange cold people in this world. It is priests, I think...Training themselves out of natural feeling. They mean it for the best, of course.” 
“You learn nothing about men by snubbing them and crushing their pride. You must ask them what it is they can do in this world, that they alone can do.” 
“For what's the point of breeding children, if each generation does not improve on what went before.” 
“Some of these things are true and some of them lies. But they are all good stories.”
“In England there is no mercy for the poor. You pay for everything, even a broken neck."
“The fate of peoples is made like this, two men in small rooms. Forget the coronations, the conclaves of cardinals, the pomp and processions. This is how the world changes: a counter pushed across a table, a pen stroke that alters the force of a phrase, a woman's sigh as she passes and leaves on the air a trail of orange flower or rose water; her hand pulling close the bed curtain, the discreet sigh of flesh against flesh.”
 A escritora optou por escrever o livro no presente do indicativo. Tudo é filtrado pelos olhos de Thomas Cromwell. Ela chegou a descrever em uma entrevista que, na experiência da escrita do livro, era como se Thomas ocupasse o mesmo espaço físico que ela. Por causa disso ela achou que não fazia sentido referir a ele no texto como, por exemplo, "Cromwell olhou para o Rei". Foi então que ela resolveu utilizar "ele", como em: "Ele olhou para o Rei". O livro é inteiro construído nesse estilo, e que, lendo as resenhas do Goodreads, percebi que não foi exatamente uma escolha estilística muito popular - as opiniões se polarizando bastante: Algumas pessoas pegaram o ritmo logo depois de alguns capítulos, se adaptando ao estilo da Hilary Mantel, enquanto outras tiveram mais dificuldades em algumas partes do texto pra saber quem exatamente o pronome "ele" estava se referindo.

***

O livro foi lançado no Brasil pela Editora Record, mantendo o nome original. Eu não tive a oportunidade de conferir a tradução da Record pra poder expor a minha opinião a respeito, mas como sempre, vou dizer que, caso você possa ler em inglês: faça-o. Tanto pelo preço, que é mais acessível, quanto pelo fato de que é sempre mais prazeroso ler a voz do autor sem nenhum “filtro” de tradução.

Pra quem quer ler em português, a dica é dar uma olhada na Livraria Cultura, que possuí alguns exemplares do Programa + Leitores (que vende livros usados pela metade do preço – já que o preço da tradução de Wolf Hall ficou bastante salgado, é uma ótima oportunidade – e geralmente em melhores condições que muitos livros de sebo. Eles garantem que os livros estão em boas condições, sem grifos, amassados, rasgados. Pode comprar sem medo.)

Bom, como muitos romances históricos, se trata de um livro bastante longo (a minha edição possui 650 páginas) e por mais que eu diga e repita que é um dos melhores livros que eu já li, eu entendo que não seja pra todo leitor. Primeiramente, não é uma leitura rápida, por mais que seja um page-turnere os acontecimentos mantenham a história sempre interessante, o livro possui muitos personagens (com direito a guia e árvore genealógica nas primeiras páginas) então você precisa de tempo pra se dedicar a uma leitura dessas. Não é um livro pra você pegar pra ler quando está atolado de trabalho e completamente sem tempo e precisando de uma leitura pra distrair sua cabeça. Mas é um livro maravilhoso que merece sim todas as honrarias que recebeu e está recebendo e ainda vai receber (a autora está escrevendo o último livro da trilogia, The Mirror and the Light, ainda sem data de publicação) e merece, também, ser lido e relido pelos amantes da história, mas também pode ser apreciado por todos – é uma ótima maneira pra ser introduzido, caso você nunca tenha tido conhecimento – sobre os Tudors. Eu gostei tanto do livro que, assim que eu terminei, eu já pedi o Bring Up the Bodies e não vejo a hora de ter um tempinho pra poder dar a atenção que o livro merece.

Por Hike Penido

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