quinta-feira, 28 de março de 2013

Resenha: Terra Sagrada

Autor: Rose Tremain
Editora: Rocco
Páginas: 410

“O silêncio de dois minutos”. Esse é o nome do capítulo que abre Terra Sagrada, sétimo romance de Rose Tremain, e são esses dois importantes minutos que regem a grande temática do livro. Em fevereiro de 1952, a pequena família Ward se reúne, de pé e bem juntinha, na plantação de sua fazenda em Suffolk – zona rural no interior da Inglaterra – em sinal de respeito pela morte do rei Jorge VI. Abaixo de seus pais está a diminuta Mary, protagonista, com 6 anos, pés e mãos pequenos e um rosto redondo que, para sua mãe, lembra um girassol. Mais abaixo, ciscando, está a galinha d’angola de Mary, Marguerite, com quem a menina compartilha a estonteante descoberta que fez durante esses minutos de silêncio: ela não é uma menina, mas um menino.

A partir dessa grande descoberta é que a pequena Mary Ward começa sua longa e difícil trajetória por aquilo que nós costumamos chamar de vida. A verdade é que Mary é sim uma garota, mas não se sente como uma. Mary acredita que nasceu no corpo errado, pois não gosta dos seus seios, que crescem a cada dia, e nem entende os períodos menstruais estranhos que tem que vivenciar a cada mês. Na escola, começa a querer que as pessoas se dirijam a ela como Martin, nome que acredita ser muito mais apropriado para sua natureza masculina, além de começar a entender o que uma paixão boba é capaz de fazer com a alma da gente ao se descobrir nutrindo sentimentos tão ternos pela amiga de sala, Lindsay Stevens.

“Meu nome é Mary Ward, mas eu nunca fui Mary, sempre fui Martin, e gostaria de ser chamada de Martin, por favor.”

Dita assim a história até parece simples, mas, embora a escrita de Rose Tremain seja norteada pela simplicidade do modo de viver dos habitantes de Suffolk, a autora nos apresenta um grande enredo que engloba 30 anos da vida de Martin Ward e a sua maneira singular de lidar com o que, em nenhum momento do livro, é chamado de homossexualidade. Mary/Martin encara como algo extremamente natural, humano, e parte para o mundo em busca de uma maneira de “corrigir” a infelicidade de ter nascido no corpo errado, na forma de uma cirurgia de mudança de sexo. O livro é dividido em quatro partes que englobam as três principais décadas da vida de Martin – e também da história mundial, tratando das décadas de 50, 60 e 70.

Rose Tremain nos apresenta também outras personagens que têm ou não relação com a história de Martin, conduzindo os fios da trama por entre as vidas de Sonny e Estelle, pais de Mary, que lutam para tentar aceitar a vida escolhida pela filha; também a do sonhador Walter, que nutre um desejo secreto pelo seu dentista Gilbert, além de algumas outras personagens que têm suas vidas alteradas por cada período histórico abordado no livro. Creio que a autora foi corajosa ao escolher tratar de temas que no período de tempo abrangido eram encarados como práticas inimagináveis, muitos deles ainda não dissolvidos na sociedade atual.

Acho importante dizer que esse livro não compõe uma apologia à homossexualidade ou à transexualidade. Ele não levanta bandeiras e nem defende paradigmas, somente se propõe a contar a história de indivíduos integrados a essas realidades e suas maneiras de compreendê-las. Tremain é feliz em abordar tais temas de forma muito natural, expondo os pensamentos e sentimentos das personagens de maneira genuína e completamente agregada à mentalidade típica de um pequeno povoado da zona rural. Ela traz à flor da pele o que eu venho comentando na maioria de minhas resenhas: o teor existencialista, que pode ser visivelmente reconhecido no diálogo interior que as personagens mantêm, principalmente Mary e Walter.

Apesar de Rose ser desconhecida no Brasil, o que lamento, é autora de um best-seller bastante premiado nos Estados Unidos, Restauração, que foi levado aos cinemas sob o título de O outro lado da nobreza, estrelado por atores como Robert Downey Jr e Meg Ryan. Terra Sagrada talvez seja uma obra não seja de tão fácil acesso nos dias de hoje, mas, para quem tiver interesse na leitura dela, aconselho uma boa visita aos sebos de sua cidade, ou à Estante Virtual, onde, talvez, seja mais fácil encontrá-la.

Por Jeff Pavanin

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