segunda-feira, 25 de março de 2013

Resenha: Roverandom

Autor: J. R. R. Tolkien
Editora: Martins Fontes
Páginas: 127

Roverandom pode parecer mais uma fantasia clássica, com espadas, dragões e anéis. Ainda mais que em sua capa temos um dragão repousando calmamente e, talvez, sobre um tesouro. Eu mesmo comprei o livro pensando nisso. Pensava que seria a aventura de alguma outra trupe de guerreiros e de um ou dois magos. É preciso dizer também que Roverandom é um livro muito pouco conhecido de um escritor muitíssimo popular. Qual o mistério desse livro obscuro? Se ele fosse tão parecido com a saga do anel, ele seria um pouco mais conhecido ou, talvez, por ser mais daquela mesma história, as pessoas tenham desprezado o coitado. Enfim, há outra informação importante. Tolkien escreveu essa história com o inocente intuito de divertir seus filhos e, naturalmente, ele consegue muito mais do que isso. Rover, o cãozinho que empresta seu nome ao livro, poderia ser um tagarela e petulante cachorro falante, como vemos em inúmeras outras obras de animais humanizados, mas a habilidade narrativa e a surpreendente imaginação do gênio da fantasia transformam uma fórmula comum, que combina um cachorro surpreendente e uma jornada insólita, em algo cativante e encantador.

Contudo, apesar do superficial ar de mesmice, Tolkien mergulha em uma série de paradoxos que habilmente amarrados constituem a jornada do cãozinho. Para que Rover se descobrisse grande, foi preciso tornar-se minúsculo; para encontrar a si mesmo, foi necessário ir à lua e ao fundo do mar; para se tornar vivo, tornou-se um brinquedo quase sem vida alguma. Ao contrário do clássico brinquedo vivo, Pinóquio, que encontra a si mesmo ao virar menino, o valente Rover encontra-se ao se transformar em um pequeno cachorrinho de brinquedo. É dessa forma que ele embarca em uma jornada imensa e transformadora. Depois dela, Rover nunca mais será o mesmo. 

A jornada é repleta de peculiaridades que ousam desafiar a razão e descortinam segredos e absurdos de um mundo feito de recortes da realidade. Há um ar de nonsense, de estranhamento que acaba se tornando o catalisador do divertimento que escorre por cada página.  Em primeiro lugar, Rover viaja até uma lua, uma meio branca e meio negra. Um lugar infestado de criaturas fantásticas e de sonhos. Depois da lua, Rover visita o mar e lá encontra outra infinidade de seres e sonhos. Depois de tantas aventuras, de arriscar seu pescoço tantas vezes, de conhecer seres improváveis e lugares quase inalcançáveis, Rover descobre o que seu coração realmente deseja. "There's no place like home", ele descobre exatamente o que dizia Dorothy já no início de sua peregrinação por Oz.

São inúmeros os momentos em que Tolkien mostra sua genialidade e a despretensiosa história do pequeno Rover torna-se muito maior do que aquela que está no livro.  É impossível não se surpreender com o trabalho cuidadoso com a linguagem, com as dezenas de referências históricas, mitológicas e geográficas e, sobretudo, com a sedutora imaginação que parece não ter fim. É possível, até mesmo, estabelecer conexões entre elementos da história de Rover e a mitológica tolkeniana que mais tarde seria consagrada em O Senhor dos Anéis. Roverandom é uma história construída com elementos crus, com uma ousadia fascinante e a criatividade de uma história que poderia ter sido contada por uma criança e não só para elas. Em vários momentos, Tolkien evoca aquela nossa fé infantil capaz de acreditar em quase qualquer coisa.

Depois de ler, resolvi explorar a capa do livro mais vez. Inicialmente, eu havia notado que voando no céu vermelho sobre o dragão havia um pássaro. Mas, agora, olhando com mais cuidado, percebo que o pássaro não está sozinho. Sobre ele há um cãozinho, que pode facilmente passar despercebido. Talvez, se eu houvesse percebido aquele cachorrinho voando nas costas daquele pássaro, eu tivesse imaginado que Roverandom não seria um livro de fantasia convencional, mas uma fantasia essencialmente nova que exala criatividade e coragem.

Por Fillipe Gontijo

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